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Primeira programadora da história e uma expoente entre as mulheres na tecnologia, Ada Lovelace acreditava que um computador nunca poderia ter sua inteligência artificial equiparada à humana enquanto fizesse apenas o que lhe foi programado. Desse questionamento nasceu o Lovelace Test: para uma máquina ser considerada criativa, precisa produzir qualquer coisa que não possa ser explicada pelos seus desenvolvedores, nem com base no código que eles criaram. Se um dia um robô dotado de inteligência artificial fizer isso, significa que ele criou algo realmente original. Até hoje, nenhuma máquina passou no teste, mas esse dia parece estar cada vez mais próximo.

É o caso de “Sunspring“, um curta-metragem criado por uma inteligência artificial chamada Benjamin que recentemente ganhou até prêmio no Sci-Fi London, um  festival de cinema de Londres, no Reino Unido. Divulgado primeiramente no site de aficionados por tecnologia Ars Technica, “Sunspring” foi escrito por essa rede neural de memória de longo e curto prazo, ou LSTM na sigla inglês.

Ross Goodwin, pesquisador de inteligência artificial na Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, pode ser considerado o pai de Benjamin. Já o filme é fruto do trabalho do cineasta Oscar Sharp, que não só teve o desafio de levar para as telas um roteiro feito por uma máquina, mas que ainda gravou com os atores em apenas 48 horas, dentro de um desafio proposto pelo festival. 

Para treinar Benjamin, Goodwin alimentou sua inteligência artificial com um corpus de dezenas de roteiros de ficção científica que encontrou online, grande parte filmes dos anos 1980 e 1990. Benjamin estudou os textos para aprender a prever que páginas seguiam uma as outras, bem como palavras e frases que tendem a aparecer juntas. Segundo o Ars Technica, a vantagem de um algoritmo desse tipo é que ele pode dissecar sequências de letras maiores, por isso é melhor em prever parágrafos inteiros, em vez de apenas algumas palavras. Também consegue gerar frases originais, porque vai além de um simples cortar e colar.

Ao longo do tempo, Benjamin aprendeu a imitar a estrutura de um roteiro, produzindo indicações de cena e linhas de caráter para os personagens. A única coisa que a inteligência artificial não fez foi entender os nomes próprios, porque eles não são usados com outras palavras e são muito imprevisíveis.

Inteligência artificial criativa

Ainda que possa ser considerado um avanço da inteligência artificial, Benjamin não é um autor com sua própria voz, pelo menos não ainda. Benjamin só cria roteiros baseados no que as outras pessoas têm escrito, então, por definição, ele não é realmente autêntico, apenas um reflexo puro do que outras pessoas disseram. Para Goodwin, Benjamin é mais do que uma ferramenta, diz o pesquisador, podemos então dizer que o gmail entrar não é original sabendo que muito das funcionalidades da ferramenta do google surgiram a partir do até então hotmail?

Para ele, Benjamin existe em algum lugar entre o autor e ferramenta, escritor e regurgitador. Ele é quase criativo.

Também de Nova York, Julian Togelius, professor do departamento de Engenharia da New York University, acredita que a inteligencia artificial criativa possa surgir nos videogames. Ele quer que os personagens do jogo sejam dotados de inteligência artificial criativa o suficiente para realmente nos surpreender. Julian é pioneiro no uso dos chamados algoritmos evolutivos, que são inspirados em funções biológicas, como mutação, reprodução e seleção natural, e que são capazes de se adaptar às habilidades e preferências do jogador.

O professor trabalha ainda com um sistema chamado geração processual de conteúdo, PCG na sigla em inglês. A tese dele é que as próprias máquinas serão capazes de criar conteúdos do jogo, ou até um game inteiro, com base em seus próprios algoritmos. Ele acredita que, dessa forma, os computadores serão capazes de se tornar ainda mais criativos do que os humanos que, segundo ele, acabam se plagiando inconscientemente diversas vezes.